Carta de um adeus



você pra mim é um mistério. mistério que não sei se conseguirei desvendar, se quero desvendar, se terei tempo de desvendar. depois do reencontro das duas luas no céu dos trópicos tenho a sensação que o nosso encontro tem prazo de validade. as duas vidas caminham em linhas paralelas, a bifurcação pra uni-las ficou pra trás, passamos por ela e não juntamos nossas linhas. você sempre deitado na cama, com a mesma roupa há 1 mês, a vitalidade sumiu dos seus olhos, não abre mais nenhuma correspondência, não atende mais telefonemas e tudo o que fala que é por causa da chuva, que já nos deu sossego há 1 mês. o tempo nasceu lá fora, mas você continuou dentro do seu carro. já na minha história as coisas caminham, o emprego vai bem, o telefone não pára de tocar, seja pelo trabalho, convites ou conversas aleatórias de amigos. faço contato com pessoas distantes, dou meu apoio, mando abraços fortes e omito certas coisas para não vê-lo triste. sempre com agenda repleta de compromissos muitas vezes não volto pra casa, te ligo pra avisar mas nunca sei se já está dormindo ou não quer mesmo se levantar para atender. você sabe que nessas horas sou eu. cada vez mais vejo nossas vidas separando, realidades diferentes, já passei por tantas coisas que você ainda vai passar, como essa fase. sim, é apenas uma fase. mas você não acredita quando digo isso. enquanto isso... você engorda cada vez mais, eu estou mais ativa a cada dia. rosas, penas e números que não marco na agenda aparecerem no meu caminho, enquanto no seu você considera aparecer apenas espinhos. hoje choveu e intensificou o seu estado. me prometeu sair do carro, procurar emprego, lavar a cabeça e fazer a barba que nunca cresce. mas nada disso aconteceu. os copos com resto de bebida sob o painel, os lixos transbordando, os jornais empilhados na sua porta, artifício que você usa para mante-la trancada. nem o seu antônio tem coragem de incomoda-lo. mas eu entro metendo o pé na porta, derrubo todos os jornais, jogo os copos em um novo saco de lixo. você dorme, como um menino enrolado em um corpo feito de roupas. só desperta quando abro a janela e a claridade o assusta. levanta em posição de guerra, querendo saber quem entrou no seu santuário. você olha pra mim, não me reconhece mais. já faz muito tempo que passamos pela bifurcação, somos apenas duas linhas paralelas e essas não se encontram não.

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