Clara por onde andava deixava um rastro. Rastro esse que para ele tinha cheiro de coisa fétida, similiar a vermes verdes guardados em uma caixa de sapato, escondidos em cima do guarda-roupa. Para outros poderia até ter perfume, mas para ela não.
Se sentia amaldiçoada, tudo que colocava a mão sempre pendia para um lado obscuro, repleto de gritos e cenas de filme de terror, desses bem ridículos. Para ela era assim.
Todos os episódios ocorridos em sua vida tinha um quê de tristeza e um outro quê de ira.
Por onde ia ela sentia que a nuvem negra, pronta para despencar uma torrente, a perseguia.
Por mais que os outros vissem nela tanta vivacidade e um sorriso largo de dentes tortos, para ela a imagem refletida no espelho, que só ela observava, era outra.
Uma mulher amargurada, esquálida, sem vida, com muitas idéias e pouca ação.
E com isso ia vivendo, ou melhor, se ela lhe encontrasse diria que tem uma sobrevida.
“Ai de mim, se minha velha mãe escutasse isso”, disse-me uma vez.
Mas, já que vários pensamentos ficam somente dentro de nosso íntimo, ela não os temia. Convivia. Levava a vida, ora se sentia radiante, ora se sentia um purgante.
Se ousasse abrir a boca para falar tudo o que pensava, sabia que para alguns pareceria martírio ou então obra de uma imaginação fértil, sem sentido. Mas para ela tudo era real demais.
As dores, as alegrias, as incertezas e a luta da vida.
Não se mutilava ou tinha pensamentos suicidas, só queria uma vida onde as coisas fossem mais fáceis, mas sabia que nada era fácil nessa vida. Queria poder acordar na metade da manhã e se alegrar com o cachorro latindo para os transeuntes, queria ver beleza nas paredes rebocadas que a cercavam e nos cantos mofados de seu quarto. Queria não falar ao telefone, mas esse era o seu trabalho. Se entediava facilmente e isso era razão para ficar horas e frente da televisão, passeando pelos canais que nada falavam. Às vezes tirava totalmente o volume e ficava a imaginar um novo diálogo para as cenas que via. Era só uma parte de seu tédio. A ira, bem...
Ela tentava escapar, mas em certos momentos a pegava de jeito, te dava uma rasteira e, sem fuga, se entregava. Deitava em seus braços enquanto a possuía e por instantes ela não sabia o que fazia. “É como se eu não estivesse presente”, dizia. E depois caia em um choro que não cabia dentro do peito ou de seus olhos miúdos, que por trás das sobrancelha por fazer ainda tinha um brilho, singelo, que poucos percebiam.
Ela mesmo, em alguns dias, não se reconhecia. Se observava e não gostava do que via.
“Quase um mostro. Será que foi nisso que me tornei?”, indagava sozinha e suspirava profundamente como se sua alma esvaísse, escapulindo pelos poros de seu rosto que era marcado de cicatrizes, nem mais um sinal daquela juventude, que tanto queria que permanecesse em sua mente e nas pegadas deixadas em cada buraco que cavava e, sem querer, derrubava tantas pessoas que se aproximavam.
Não queria o mal, de maneira alguma. “Já basta este que sou, para que mais?”.
Era pessimista e ranzinza, mas parecia uma menina com o medo bobo da mãe ir trabalhar e nunca mais voltar.
Morreu jovem.




21h43
07.10.2007

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